terça-feira, 26 de abril de 2011

(In)Tolerância

Tolerância – do latim tolerantia, do verbo tolerare que significa suportar.
Ao consultar o dicionário para verificar o significado dessa palavra, algo na minha mente já se formava a respeito: Somos seres tolerantes ou intolerantes?
Acredito que somos mais tolerantes que intolerantes, pois suportamos muito mais um número incontável de coisas, fatos, tanto conosco quanto em nossa sociedade que a intolerância se torna sob esse ponto de vista ínfima.
Mas o que dizer de tantas notícias diárias a respeito de preconceitos? Tanta violência contra os gays, contra os idosos, contra os diferentes de nós?
Suportamos todos os dias, passivamente, tais notícias. Somos tolerantes à medida que não tomamos parte daquilo, não nos manifestamos, estamos ali, incólumes,sim,porque não foi conosco, foi com um outro, um outro, que a meu ver, não nos é semelhante, porque se o fosse, certamente nos manifestaríamos.
Ao sair hoje para uma consulta médica, falava ao celular, quando um pedinte me segurou, balbuciou qualquer coisa que suponho ser “me dá um trocado”, imediatamente xinguei para meu interlocutor do celular, continuei andando e reclamando da abordagem e da minha intolerância com tal situação tão rotineira nas ruas cariocas.
Minha intolerância é tão clichê e tão superficial, veja bem, me irritei porque ele me tocou, porque se atreveu a me pedir dinheiro, leia-se “porque você acha que eu tenho que te dar alguma coisa, se eu mesmo luto todos os dias para ter um pouco e mesmo assim ainda me falta?”
Nitidamente nesse ponto, tolerância e intolerância se cruzaram. A minha intolerância com o pedinte, a minha tolerância de cidadã que se exclui da situação social.
Vamos falar de outras tolerâncias. Tenho um vizinho, que há anos, gritava aos quatro cantos para quem quisesse ouvir que o mundo estava realmente perdido, que viado ( era essa palavra que ele usava) tinha que tomar um pau! Era falta de educação, falta de vergonha na cara, que se um dos seus filhos virasse gay, ele expulsava de casa, deserdava. Pois bem, esse mesmo vizinho, passados 15 anos desse discurso viu seu neto mais velho cada dia mais parecido com os “viadinhos” que ele tanto discriminava. Quê ele fez? Nada. Nunca mais tocou no assunto, ele ama o neto.
A intolerância nasce de tantas mães: da raiva do outro que é diferente; do afastamento do outro (você não tem envolvimento com alguém e por isso o que quer que lhe seja intolerável vem de sua ignorância a respeito do objeto); da inveja do outro (essa é a mais notável de todas , pois muitos condenam, não suportam no outro aquilo que eles mesmo não suportam em si,que não conseguem se livrar ou mesmo que gostariam de assumir mas faltam-lhe coragem), porém todas essas mães são da mesma terra, da terra do outro. Não existe intolerância quando somos sujeitos do objeto, quando estamos envolvidos por ele, quando convivemos com ele.
Paradoxalmente, somos tolerantes com terríveis coisas que deveríamos perceber como parte de nossa vida: a sujeira da política brasileira, a farra da imprensa que usa e abusa de seu poder para manipular nossas opiniões, somos tolerantes com a educação de péssima qualidade, com os juros, com os impostos abusivos, com a debilitada saúde pública, com o mafioso esquema da saúde privada, somos tolerantes com as ruas esburacadas, com o nosso mísero salário, toleramos tudo gostosamente e sorrindo, como se tudo isso não fosse relativo a nós mesmos. Toleramos por ignorância, como já disse, mãe de uma das intolerâncias. Ignoramos o que nos é idiossincrático, intoleramos aqueles que saem e vão viver a vida tal como acham que lhe são de direito. Intoleramos os pobres, os negros ,os gays, os judeus, os mulçumanos,etc e assim também por muitos deles somos intolerados.
Enquanto isso, na sala da justiça...
__ Muito bem, chefe, bom trabalho! Todos estão ocupados com as fofocas da TV e com os times de futebol, podemos adiar mais um pouquinho a votação daquelas reformas lá, né?

Muca Velasco

domingo, 10 de abril de 2011

O MONSTRO QUE CRIAMOS

Atordoada ainda com essa tragédia que chocou nosso país e o mundo, a chacina em Realengo, muitas questões e comentários surgiram.
A maior indagação é o porquê desse rapaz ter feito isso.
Alguns fatos já foram levantados: introspectivo, possivelmente portador de algum transtorno mental, vítima de bullyng na própria escola em que veio a cometer essa barbárie.
Certo é que, não há justificativa capaz de atenuar as perdas e dores de tantas famílias cujos filhos foram vítimas dessa tragédia.
Mas, sem querer defendê-lo, ao analisar os poucos fatos que se sabe sobre esse personagem, podemos perceber que a imagem monstruosa a que Wellington nos remete é reflexo de tantas outras monstruosidades veladas em nossa sociedade.
Esse episódio por uma infeliz coincidência, veio numa época de debate do bullyng, e faz referência a outros massacres semelhantes, como Columbine, nos EUA, onde os algozes também foram vítimas de bullyng e operaram sua vingança sobre a escola em que estudaram.
Descartada a possibilidade de que Wellington fosse um psicopata, pois, os psicopatas, não tendem a cometer suicídio, nem se mostram introspectivos, ao contrário, psicopatas sabem usar bem da comunicação para manipular, enganar e iludir as pessoas e assim, tirar proveito delas para conquistar seus objetivos. O único objetivo de um psicopata é seu bem estar, é ganhar, ele não tem empatia por nenhum ser humano e o seu cérebro possui deficiência na parte relacionada às emoções.
Wellington, ao contrário , vivia isolado, nunca teve amigos, não tinha nada a perder. Sua mãe, possivelmente era a sua única ligação afetiva significante ,falecida ,pode ter sido esse o elemento desencadeador de sua paranóia, delírio, ou o que seja, deixo isso a cargo dos especialistas.
O que quero tratar é que esse MONSTRO, como está sendo chamado, foi jogado numa lixeira na escola, era apelidado, achincalhado, era feio, desengonçado, andava esquisito, possuía orelhas feias, motivo de piada na escola, rejeitado por todos, foi adotado e sabia que a mãe natural o concebeu em um hospício.
Pergunto-me onde houve ligação afetiva dele com o mundo?
Quem interviu algum dia, quem desconfiou que seu isolamento refletia a solidão, a rejeição e não uma característica individual?
A escola deveria intermediar tais questões, inclusive - há um apontamento de um professor, que disse que ele” era muito devagar, em processo, que necessitava de acompanhamento” -o que a escola fez e faz?
Quantos welligntons serão precisos surgir para nossa sociedade perceber que o monstro habita em todos nós: nas nossas indiferenças, no nosso individualismo, nos preconceitos e tantos “ismos” que se fazem presente?
A sociedade está à caça às bruxas nesse momento, tentando encontrar uma resposta , tentando achar cúmplices, culpar religiões, etc... Mas não parou pra perceber que devemos caçar em nossas raízes o mal que cresce velado, aquilo que deixamos de ensinar aos nossos filhos: a preocupação com o próximo, a tolerância com os diferentes, os valores de amizade e respeito.
É muito fácil “tapar o sol com a peneira”, simplificando a questão: Trata-se de um monstro, vingativo, doente mental , viciado em jogos de tiro e fanático religioso.
Difícil é reconhecer que todos nós, ao desprezar pessoas, ao xingar, ofender , seja por racismo, preconceito, podemos estar criando um monstro.
Nosso sistema de saúde também pouco se interessa por transtornos mentais, pessoas que sofrem de qualquer distúrbio são estigmatizadas pela sociedade. É muito comum ler em noticiários: FULANO MATOU A MULHER E SE MATOU, TINHA DEPRESSÃO.
Como se todas as pessoas que sofrem de depressão fossem assassinos em potenciais, assim como muitas pessoas portadoras de esquizofrenia podem viver bem, se medicadas e acompanhadas.
Mas, enfatizo, o maior medicamento é o amor, o afeto, uma pessoa doente, não tem condições de cuidar de si , os medicamentos atuais tem grande eficácia, sob último caso ainda há a internação, mas um doente mental não tem capacidade de cuidar de si sozinho , muitas vezes, porque, nem se percebe doente. Muitas famílias simplesmente viram às costas aos familiares portadores de distúrbios mentais, seja uma depressão, um transtorno bipolar, transtorno de personalidade, esquizofrenia, demência, etc...
Ao contrário dos psicopatas, que para eles, não tem remédio nem amor que dê jeito, e o mais interessante é que apenas 3% dos psicopatas tornam-se assassinos. O restante passa e vive por nós como pessoas que admiramos, convivemos sem nos dar conta, a menos que tenhamos sido vítimas deles, pois quando um psicopata passa pela vida de alguém( que esteja em seu caminho), o que se vê é devastação.
Voltando ao Welington, lamentável tantas vidas inocentes pagarem por seu desequilíbrio.
Mas volto a repetir, existem tantos wellingtons em potencial por aí, e que, com toda essa repercussão , poderá aumentar ainda mais a incidência de tragédias desse porte.
O que podemos fazer, então, para evitar esse tipo de tragédia?
Educação!
A educação plena, que começa em casa.
Criamos um monstro, quando um filho chega em casa e conta que ridicularizou um coleguinha e os pais riem, quando um pai conta a um filho uma piada racista, quando os pais consentem que o filho “ esculache” a empregada, quando os filhos fazem “ merda” e os pais passam a mão na cabeça.
Quando a escola presencia abusos de estudantes para com outros estudantes e nada fazem, quando uma escola particular permite a diferenciação de tratamento com alunos bolsistas, quando os pais negligenciam a vida dos filhos, quando os filhos apresentam comportamento reprovável e os pais acham bonitinho.
Criamos um monstro, quando o sistema de saúde não acompanha devidamente os casos de transtornos mentais, quando o sistema judiciário favorece causas de pessoas que aparentam “maior equilíbrio, coerência”, maior poder econômico, quando os policiais duvidam e negligenciam queixas de mulheres que foram vítimas de violência doméstica , quando acreditamos que tudo está bem, porque não é conosco, quando votamos num candidato e não exigimos dele o cumprimento de suas promessas de campanha quando nos limitamos a falar e culpar o governo, quando na verdade, nós, somos peça fundamental num processo de mudança de nossa sociedade.
Criamos e continuamos a criar monstros, quando tudo vira motivo de piada e somos levados por um senso comum alterado, repleto de intolerâncias, desprezo e indiferença com os demais.


Muca Velasco